Avancini vai da bike de sucata à busca por legado no ciclismo
Apesar de ser conhecido nas provas pelo sobrenome italiano Avancini, Henrique gosta sempre de lembrar do Silva que também carrega. Para o ciclista brasileiro, segundo melhor do mundo no ranking da modalidade mountain bike, esse é o símbolo de sua trajetória.
O atleta de Petrópolis conta que tudo começou com o pai, baiano, ex-ciclista e que tinha uma bicicletaria na cidade serrana do Rio de Janeiro. Certa feita, um cliente esqueceu que trazia uma bicicleta no capô do carro e, ao entrar na garagem, a partiu no meio.
A sucata foi remendada com algumas peças de refugo da oficina paterna, e Avancini ganhou sua primeira mountain bike.
“Eu gosto muito de ser visto como uma pessoa normal, é por isso que faço muita questão de contar minha jornada esportiva e de vida, que não tem nada de extraordinário. Sou um brasileiro e é até uma coincidência feliz o meu nome ser Henrique da Silva Avancini. Tem aquele ditado de ser só mais um Silva. Sou só mais um Silva, com muito orgulho. Cheguei bastante longe sendo um Silva”, diz à reportagem.
Avancini acredita que tem pouco talento, mas sempre foi muito esforçado. Conhecido no mundo do esporte como alguém engajado em ações sociais, ele entende que tem que retribuir ao país e ao ciclismo por tudo o que conquistou na carreira.
Na mais recente dessas ações, o atleta leiloará as sapatilhas que vai usar na etapa da República Tcheca da Copa do Mundo de Ciclismo Mountain Bike, que termina em 4 de outubro (a iniciativa dele vai até o dia 5). Batizado de “Pedaling for a Reason” [na tradução do inglês, pedalando por uma razão], o projeto reverterá toda a renda para a Comunidade Terapêutica Mateus 25:35, que atende a moradores de rua e dependentes químicos em Petrópolis.
O brasileiro comanda diretamente uma empresa com duas equipes de ciclistas em desenvolvimento e mais uma série de projetos sociais, com 14 funcionários. Centralizador, ele não segue rotinas tradicionais de sono como outros atletas. Costuma ficar até tarde sem dormir, respondendo a emails e escrevendo projetos para a instituição.
Avancini diz que ao longo dos anos foi criticado por acreditar que seria possível desenvolver um estilo brasileiro de correr na categoria, historicamente dominada pela Europa.
“Aos poucos fui entendendo que não deveria tentar ser um europeu. Não poderia deixar de lado os ganhos geográficos, climáticos ou sociais que eu tenho. Tive que entender o que era a minha herança genética, cultural e social para me desenvolver como atleta a partir disso. Talvez tenha sido um desafio, mas hoje é um diferencial, acabo ficando em uma situação esportivamente positiva”, afirma.
A Europa venceu 26 das 30 edições do Mundial de mountain bike cross-country disputadas até aqui, sendo que o último não europeu a ser campeão foi Roland Green (Canadá), em 2002. A Suíça lidera com dez ouros e também é o país do maior rival de Avancini, o atual melhor do mundo, Nino Schurter, maior campeão da história com oito títulos e dois vices em dez disputas.
Nunca um latino-americano ficou entre os três primeiros. Avancini foi campeão mundial em 2018, mas na prova de maratona.
Além do Mundial de 2020, na Áustria, em outubro, o brasileiro também buscará a liderança na soma das etapas de Copa do Mundo, algo que também seria inédito para um latino.
A etapa da República Tcheca marca o retorno da competição após a paralisação do esporte pela pandemia, e ele chega embalado pelo título que obteve na Polônia, numa prova de classe 1.
No Pan-Americano de Lima, no ano passado, era o favorito, mas com um problema na suspensão e um pneu furado, acabou em terceiro. Desde já, ele é cotado a uma medalha na Olimpíada de Tóquio.
Popularizar o esporte no Brasil tem sido uma das suas missões. O país é a principal fonte de público das transmissões mundiais do mountain bike na Red Bull TV.
Ele entende que as coisas poderiam ser diferentes se o jornalismo brasileiro divulgasse mais o ciclismo. Analisa também que há um nicho de fãs, atletas e empresas que se retroalimenta de forma saudável, mas que pouco ou nenhum esforço faz para sair dessa bolha –outro objetivo que carrega a longo prazo.
O ciclista considera inspiradores movimentos de atletas que vão além do esporte, como o boicote dos jogadores da NBA em protesto contra a violência policial e o racismo no país. “Hoje os atletas entendem que a franquia e tudo aquilo existe graças e eles. Têm o poder de voz e de, se desejarem, parar aquilo por algo maior.”
Fonte: https://esportes.yahoo.com/