A história da bicicleta em SP
As bicicletas ultimamente estão no centro das atenções aqui na cidade de São Paulo. Ciclovias, ciclofaixas e eventos relacionados a ela estão trazendo a tona o debate em torno da mobilidade urbana e criando discussões acaloradas tanto a favor como contra este tipo de transporte.
A questão é que muitos alegam que a cidade não foi feita para as bicicletas ou que bicicleta não é transporte público e deve ser utilizada apenas para o lazer. Para mostrar no contexto histórico que esta é uma cidade que sempre esteve aberta as bicicletas, fomos pesquisar em reportagens do século 19 e início do século 20 para, quem sabe, desmistificar esta longa discussão.
QUEM VEIO PRIMEIRO ? O OVO OU A GALINHA ?
A eterna discussão sobre se foi o ovo ou a galinha que veio primeiro também pode se aplicar a carros e bicicletas. Mas neste caso teremos um empate, ao menos técnico. É que tanto um como o outro chegaram a São Paulo na mesma época, na última década do século 19.
Enquanto os veículos desembarcaram pela primeira vez no Porto de Santos em 1893, trazendo um Peugeot Type 3 para a família de Santos Dumont, há relatos de que as bicicletas chegaram na capital paulista no ano seguinte, em 1894.
Enquanto o automóvel custava uma fortuna e era algo impossível de ser comprado pela grande maioria da população, as bicicletas eram bem mais acessíveis e muito mais fáceis de usar.
Isso fez com que logo a bicicleta se popularizasse por aqui, tal qual acontecia na Europa e Estados Unidos. A figura da aristocrática e benfeitora paulistana Veridiana da Silva Prado foi fundamental para esta popularização. Fora em suas terras, na Consolação, que foi criado o Velódromo Paulistano. O local é onde hoje encontra-se a Praça Roosevelt.
O local fora construído não apenas para a prática do velocípede (como costumavam dizer a época), mas também para outras modalidades esportivas como corridas, atletismo e até futebol. Porém era o ciclismo que atraia inicialmente grandes multidões em seus torneios e competições. O recorte abaixo, de 17 de setembro de 1895, faz menção a um desses eventos.
A popularização das bicicletas em São Paulo não só agradou a boa parte da população, especialmente os de baixa renda que não podiam ter um automóvel, como movimentou e aqueceu o mercado, com várias lojas colocando-as à venda e o surgimento de ao menos uma publicação dedicada.
Possivelmente a primeira revista brasileira dedicada exclusivamente para bicicletas e adeptos do ciclismo, a revista “Bicycleta” era uma semanário que surgiu em 1896. São raros os exemplares sobreviventes e devido a isso não se sabe quantas edições foram produzidas ao todo, sendo que ao menos 16 são conhecidas.
Inspirada na publicação francesa “Bicyclette”, a edição da revista ficava a cargo de Otto Huffenbächer, natural de campinas e que além de empresário (tinha uma tipografia), era exímio ciclista.
Huffenbächer é talvez o maior exemplo do esquecimento que o Brasil tem de seus personagens. A ele podemos atribuir não somente o pioneirismo na edição de revistas deste segmento, como também o fato de ser o primeiro grande atleta paulista – e talvez nacional – dedicado ao ciclismo. Não há sequer uma rua ou praça que faz uma lembrança a ele.
Uma vez popularizada em São Paulo, a bicicleta foi incorporada ao cenário cotidiano de São Paulo, e era encontrada por todos os cantos da cidade, por pessoas de todas as faixas de renda e etárias, e era desde aquele momento uma alternativa de transporte, sendo mais ágil até que os lendários bondes movidos a tração animal da Viação Paulista.
Apesar desta popularidade não havia por aqui naquele momento fábricas de bicicletas. Todas elas eram importadas de países como Inglaterra, França e Estados Unidos, com mostram os anúncios a seguir.
Como qualquer tipo de transporte, a bicicleta também teve seus acidentes. Nas primeiras décadas do século 20, não eram raros os casos de atropelamento de ciclistas por parte de bondes e automóveis, similares aos que vemos hoje com ônibus e carros modernos.
A imperícia no pedal também causava acidentes, muitas vezes graves, aos ciclistas:
E por outro lado, bicicletas também causavam acidentes a pedestres. A nota abaixo, de 1910, mostra um caso muito similar a um ocorrido em agosto de 2015, mostrando que este tipo de ocorrência não surgiu nos tempos atuais.
É por isso, que desde ao menos 1904 as bicicletas passaram a ter uma chapa de identificação tal qual a de veículos, como pode ser observado no recorte de jornal acima. Isso trazia muita facilidade na punição no caso de acidentes e na prevenção de furtos.
As placas permaneceram como praxe em São Paulo até, pelo menos, o final da década de 50. Depois, foram deixadas de lado pelo poder público, que com isso encerrou a fiscalização deste meio de transporte.
AS BICICLETAS NA IMPRENSA:
Como toda novidade que surge, a bicicleta era também tomada por certo ceticismo por parte da imprensa. Em 1904 a bicicleta era retratada em artigo do Correio Paulistano como um modismo passageiro. E era comparado com outro esporte que segundo o mesmo artigo também era outra febre temporária: o futebol.
Por outro lado, os mesmos jornais que tratavam as bicicletas como algo que “logo será esquecido”, davam dicas de como o ciclistas deveriam fazer uso de suas bicicletas. Os recortes abaixo, ambos de 1898, mostram resumidamente o porque de pedalar e quais recomendações os ciclistas devem seguir.
O QUE O PASSADO TEM A NOS ENSINAR:
A história existe para ser conhecida por todos. Se ela está para nós para que não venhamos a repetir os erros do passado, também é adequada para aplicarmos no presente os acertos de outrora.
É um retrocesso imenso quando a discussão de bicicletas ocupando suas faixas são vistas como inimigas da mobilidade. Parece que estamos em 2015 mais atrasados do que aqueles que em pleno século 19 partilhavam as vias públicas com todos os modais. E naquela época ainda existiam cavalos e burros fazendo transportes pelas ruas da cidade.
O passado também mostra que precisamos, tal qual naquela época, de mais espaços para as bicicletas, juntamente com automóveis e coletivos, transportando junto a todos os paulistanos. Cada um com o meio que melhor lhe convém.
E por fim a história dá uma solução a um problema atual: ciclistas que não respeitam pedestres e que eventualmente causam acidentes no trânsito, podem ser fiscalizados e punidos se houver uma licença, tal qual as placas antigas.
Parece que realmente a solução do presente está no passado.
EXTRAS:
1 – Como complemento a matéria, abaixo um anúncio de 1898 do Velódromo Paulista, mostrando todas as atividades que costumeiramente eram realizadas no local. Havia venda, aulas de bicicleta (para quem adquirisse uma ali), além de competições e também consertos e reparos:
2 – Para quem nunca viu ou ouviu falar, esta é uma antiga placa de identificação de bicicleta, usada em São Paulo: